Cadê o vale terapia?
- Profa. Dra. Patrícia Rodrigues
- 8 de set.
- 3 min de leitura

Fala-se muito que a gestão educacional é uma missão. Outros dizem que é vocação. E há quem veja como uma oportunidade profissional, com cargo de confiança, responsabilidades ampliadas e, claro, uma agenda sempre cheia. Mas existe um lado menos falado, ainda que muito vivido: o de quem precisa sustentar tudo isso com equilíbrio emocional, todos os dias, mesmo quando o chão parece escorregadio.
Entre avaliações internas e externas, metas de produtividade, cobranças institucionais e o desejo de manter viva a paixão pela educação, há um gestor, uma gestora, que tenta conciliar tudo isso com humanidade. E que, mesmo com todos os desafios, segue dizendo para sua equipe: — Estamos juntos. Isso porque acredita, de verdade, que a educação transforma vidas. E transforma! Eu também acredito e vejo acontecer.
Só que transformar vidas não é leve. Exige escuta, paciência, decisões solitárias, conflitos inesperados e uma carga emocional silenciosa. O que me faz lembrar de uma situação vivida em uma formação sobre liderança e gestão por indicadores, uma gestora já experiente e com aquele bom humor de quem já viveu de tudo um pouco soltou no meio da conversa:
— Tá bom… mas e o vale terapia? Vem quando?
Todos riram, claro. Mas logo depois, o silêncio veio. E falou mais alto.
Porque a pergunta, embora divertida, esconde uma realidade importante: quem cuida também precisa de cuidado. Quem lidera também sente medo, dúvida, cansaço. E não é fraqueza, é humanidade. Já imaginou se, junto do vale transporte ou do vale alimentação, existisse também o reconhecimento (verdadeiro) de que a saúde emocional merece espaço, apoio, tempo e acolhimento? Estou falando aqui de existência na prática, nas ações do dia a dia!
Não se trata de benefício extra, nem de cumprimento ao requisito legal. Trata-se de entender que o bem-estar de quem lidera reflete diretamente no ambiente da escola, da universidade. E que cuidar da saúde emocional dos gestores e gestoras não é luxo, é necessidade. Talvez essa pergunta divertida, lançada em tom de brincadeira, seja, na verdade, um lembrete disfarçado: ninguém consegue cuidar de gente (nem de planilha) sem, em algum momento, também ser cuidado.
E olha só, sei que tem lugares que oferecem muito mais que “vale terapia”, que cuidam, desenvolvem programas de saúde mental e acompanhamento de lideranças de verdade... ah, e alguns têm mesmo o “vale terapia”. E isso é muito bom! Mas, o que chamo a atenção aqui é para as conversas de bastidores, de cansaço, de sensação de solidão de falta de apoio. Isso é comum e corriqueiro. Precisamos olhar para isso e agir. Parece tão obvio né? Só que não é... ainda tem muito o que mudar, pois, uma hora a conta chega. E geralmente, é para o gestor, para a gestora.
Sei que não é uma conversa simples que se esgota num texto como este. Mas, que essa prosa miúda sobre o vale terapia sirva para chamar a nossa atenção e abrir espaço para algo essencial: escutar, acolher, reconhecer e cuidar de quem lidera, de quem cuida. Porque todo mundo que segura as pontas, também precisa, vez ou outra, de um lugar seguro para descansar os braços... e o coração.
E não é pra melhorar no ranking, ser instituição destaque ou ganhar prêmio sobre ter um ambiente saudável e humanizado pra se trabalhar (embora isso também seja muito legal!), mas para ter pessoas, líderes saudáveis emocionalmente que que consigam tomar decisões com clareza, lidar com conflitos com empatia, sustentar a equipe nos momentos difíceis e manter vivo o propósito de educar, sem adoecer no processo.
É sobre ter líderes que não precisem ajustar um sorriso no rosto todos os dias, que mesmo diante dos desafios e dias ruins possam seguir em frente sabendo que não precisam fingir estar bem o tempo todo. Que possam contar com um ambiente onde a vulnerabilidade não é fraqueza, mas um traço de humanidade. Onde há espaço para dizer “hoje não estou bem” sem medo de julgamentos. Onde o cuidado não é um discurso bonito de formação, mas uma prática incorporada na rotina, nos pequenos gestos, nas pausas respeitadas, nas escutas verdadeiras.
Não sei como esse texto chega para você. Mas para mim, ele é um lembrete do que tenho escutado, muitas vezes em silêncio, em pausas longas, em olhares cansados. É também uma tentativa de transformar em urgência aquilo que, no dia a dia da gestão educacional, vai sendo empurrado para depois: o cuidado com quem cuida, a escuta de quem lidera, o amparo para quem precisa decidir mesmo quando está no limite.
Talvez você conheça alguém assim. Talvez seja você.

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